WandaVision e a elaboração do luto

Acredito que muita gente já assistiu a série da Marvel na Disney+, WandaVision, mas para quem ainda não assistiu preciso colocar um aviso de spoilers aqui. Neste post vou falar livremente dos acontecimentos da série, analisando sob o ponto de vista de quem já sofreu importantes perdas, que, querendo ou não, fazem parte da vida de todos nós de um jeito ou de outro. WandaVision é uma incrível alegoria sobre o luto. E eu vou contar porque isso é importante, particularmente para mim.

Cartaz WandaVision Disney+
Divulgação: WandaVision – Disney +

Eu devo começar dizendo que sim, eu adorei a série. A princípio ela pode causar estranheza pela maneira que é executada. Os primeiros episódios são como as antigas sitcoms americanas (programas de TV). O primeiro deles é completamente ambientado nos anos 60, preto e branco, humorístico, quase estilo I Love Lucy. Cada episódio corresponde a uma siticom de uma década diferente o que, para muitos, pareceu uma coisa meio “nada a ver”. Mas eu explico mais adiante porque esse formato foi importante na história e desenvolvimento da personagem.

Alerta de Spoiler – A partir daqui vou falar abertamente dos acontecimentos da série WandaVision e filmes da Marvel

Se você assistiu os filmes da Marvel na última década sabe que Wanda sofreu muitas perdas. Perde o irmão gêmeo em Vingadores: Era de Ultron e perde o Visão em Vingadores: Guerra Infinita – Aqui vale uma observação: a cena em que Visão morre é uma cena muito emocionante. Nada além de suas expressões e olhares que traduzem amor, dor e despedida, sem que os atores Paul Bettany e Elizabeth Olsen precisassem de uma ou duas falas. Atuação impecável. – Além destas perdas citadas anteriormente, vemos em certa altura de WandaVision que Wanda perdeu os pais de maneira horrível ainda criança.

Wanda e Visão
Divulgação: WandaVision – Disney +

Assim, completamente tomada pela dor, Wanda recria o mundo de maneira a se sentir protegida de todas essas perdas, da dura realidade na qual se encontra sozinha, no terreno que Visão havia adquirido para construírem um lar juntos. Sim, é uma fuga. Como muitas vezes nós, pessoas comuns e reais, podemos criar em nossas mentes para lidar com nossas perdas sejam elas quais forem. É como sonhar acordado com uma realidade diferente e mais feliz. Só que Wanda tem poderes que a permitem moldar a realidade conforme o seu desejo.

WandaVision é sobre a maneira como a vingadora lida com seu próprio luto. Nesta realidade criada por Wanda Maximoff, Visão é seu seu marido e eles passam a viver uma vida simples. Eles chegam recém casados à pequena cidade Westview em New Jersey, onde em questão de semanas ela tem seus filhos gêmeos Tommy (Jett Klyne) e Billy (Julian Hilliard).

WandaVision: Tommy e Billy
Divulgação: WandaVision – Disney +

Ela finalmente ela assume sua forma de Feiticeira Escarlate – tão esperada no MCU pelo menos por mim – quando ela encara a sua dor, seus traumas, atravessando uma das partes mais difíceis do luto, vendo tudo aquilo que criou para se proteger da sua própria dor desabando ao seu redor. Se vê precisando se despedir novamente de Visão e dizendo adeus a seus filhos. É o momento em que ela se torna mais poderosa, se tornando aquilo que realmente é. O agente catalizador é Agatha Harkness, uma bruxa atraída até ali pelos poderes de Wanda, que se disfarça de Agnes, uma vizinha intrometida do novo casal, e tenta roubar os poderes da Feiticeira Escarlate para si.

Agatha, vivida pela atriz Kathryn Hahn, participa ativamente do mundo de Wanda, manipulando situações diversas, com o intuito de fazer despertar o potencial máximo dos poderes de Wanda para só então roubá-los para si. Com isso temos o surpreendente crossover da aparição do Mercúrio (Evan Peters) – só que não é o Pietro morto em Era de Ultron e sim aquele dos filmes dos X-Men produzidos pela Fox (recentemente comprada pela Disney, trazendo os mutantes de volta para a Marvel – mas essa é uma treta comercial complicada que vai de anos e assunto pra outro momento.) Claro que é uma leve decepção descobrir que esse Mercúrio é apenas um ator, e não o irmão gêmeo de Wanda, mas a surpresa foi bacana de ver.

Wanda e Pietro
Divulgação: WandaVision – Disney +

Inserindo mais elementos dos quadrinhos no Universo Marvel. Senta que lá vem história

Claro que vários elementos fizeram com que fãs dos quadrinhos começassem a desenvolver diversas teorias. Como por exemplo, ver Tommy e Billy na série. Ver isso acontecer no MCU foi algo que eu realmente não esperava, pelo menos não tão cedo.

Explico: Nas HQs, Wanda e Visão se casam sem saber que estavam sendo manipulados por Immortus (guarda essa informação aqui, pois isso ligaria WandaVision diretamente com a série do Loki. Sabe Aquele que Permanece? O Kang? Pois então.) Immortus sabe que Wanda é um ser Nexus e não queria que a vingadora tivesse filhos de jeito nenhum já que isso poderia mudar os alicerces do universo. Mas Wanda engravida magicamente e tem os gêmeos com Visão, que acabaram por serem revelados como fragmentos da alma do demonio Mephisto. Este último os reabsorve, então Agatha que era babá das crianças apaga os gêmeos da memória de Wanda por medo dela surtar e perder o controle. Pois quando Wanda descobre, surta mesmo assim, perde o controle dos poderes e muda completamente a realidade de todos. E aí tem um monte de confusão e gritaria, é criada pela mente quebrada de Wanda a Dinastia M, que depois volta a si (mais ou menos) e manda um “Chega de mutantes…” apagando geral da face da terra… enfim, treta atrás de treta.

O Universo dos quadrinhos da Marvel é a coisa mais confusa de acompanhar, e é por isso que eu estou gostando muito do que eles estão conseguindo adaptar pro universo cinematográfico. Não é tarefa fácil, é preciso manter uma coerência, e ainda assim os caras conseguem fazer alguns belos fans services ao longo da jornada – A fantasia de Halloween de Wanda e sua família é um exemplo disso.

Mas e o Mephisto??

Não tem Mephisto. Não tem. E se você é um dos fãs que acreditava nisso, eu sinto muito, mas não tem. Não até que o segundo filme do Doutor Estranho prove o contrário.

No caso da série, Billy e Tommy foram mesmo criados a partir da magia de Wanda e faziam parte desse processo de elaboração do luto. Muito embora a maneira como eles crescem seja bastante estranha até para Wanda, a série justifica que os acontecimentos estranhos foram orquestrados por Agatha. E até o momento é o que temos.

Porém, é bom ter a mente aberta em relação a isso, uma vez que na cena pós créditos, Feiticeira Escarlate ouve seus filhos chamando-a. Como se eles foram desfeitos quando Wanda desfez o hexágono onde mantinha sua vida dos sonhos?

Voltando à elaboração do luto

Desculpem. Me empolguei um pouco nas explicações como fã da Marvel que sou. Ainda que provavelmente tenha ficado tudo muito confuso e peço desculpas por isso. Mas vamos lá.

Em se tratando da elaboração do luto, o que a série quer realmente dizer, e que lições nós podemos tirar disto?

Primeiramente é importante salientar o quão legítimo e humano é a negação do luto. Uma das fases mais dolorosas de quando nos deparamos com perdas, é a da não aceitação. Essa fuga acontece para todos de um jeito ou de outro. Porque as vezes a dor é tão grande que simplesmente não conseguimos lidar com ela, olhar para ela. E então imaginamos a vida de uma maneira diferente. É inevitável pensar “e se aquela pessoa ainda estivesse aqui comigo?”.

É natural criar lindas imagens em nossa mente de como gostaríamos que as coisas tivessem acontecido. Existem dias que são melhores assim. Buscamos conforto em memórias agradáveis. E eis o motivo porque Wanda recria sua realidade como programas de TV. Pois nos momentos mais felizes de sua infância ela assistia a essas sitcons com seus pais. Foram os momentos de sua vida nos quais ela se sentiu mais segura e protegida. Entende?

Mas chega o momento que é necessário encarar a realidade e tentar entender o que dá pra fazer a partir daquilo que temos naquele momento. É um reconstruir. Ao encarar a realidade como Agatha a obriga a fazer, é que ela percebe a extensão de seus poderes e entende que precisa aceitar o que passou e para se reconstruir, se desenvolver e evoluir. E assim ela vai se tornando cada vez mais poderosa e mais consciente de si mesma. Ainda que Agatha tivesse intensões macabras por trás de seus atos ela acabou ajudando Wanda a passar por esse processo, acelerando-o e fazendo com que ela atingisse um potencial antes não imaginado. Não estou defendendo Agatha. Ela é um monstro e teve o que merecia, mas ela teve o seu papel em fazer Wanda atingir sua forma de Feiticeira Escarlate.

Essa alegoria da elaboração do luto pode não agradar muitas pessoas. Talvez por ainda não terem passado por perdas significativas como as de Wanda. Muitas vezes é bastante difícil compreender o sentimento do luto caso não tenha passado ainda por uma grande perda. Mas é justamente aí que WandaVision pode colocar o dedo na ferida de quem já viveu esse sentimento. E é nisso que está a riqueza desta série para mim. Compreendi e reconheci essas dores pois, eu mesma já perdi tanta gente importante e fundamental para mim.

E como Visão diz de maneira muito sábia para Wanda, “O que é o luto se não o amor que perdura?”.

E é exatamente isso. O luto nunca nos deixa, ele apenas se acomoda em nossa alma. Pois o amor por aqueles que se foram para o outro lado perdura para sempre. É parte de nós. E talvez nos torne mais fortes depois.

A Feiticeira Escarlate
Divulgação: WandaVision – Disney +

Já assistiu WandaVision? Me conta nos comentários o que achou =)

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